VIVE AS LETRAS!

Magazine da Faculdade de Letras
da Universidade de Coimbra

N.º 15, 2.ª série, julho de 2025

EDITORIAL

Albano Figueiredo

1. Em breve a FLUC estará a terminar mais um ano letivo. É, pois, o momento para agradecer a docentes, investigadores/as, estudantes e funcionários/as não docentes a dedicação e o empenho que continuaram a demonstrar em mais um ano escolar. É isso que desde logo torna toda a nossa comunidade particularmente forte. Muito obrigado a todos/as!

2. Como costumo fazer antes do período de férias, deixo a todos/as, de modo sucinto, algumas breves mas importantes notas.

No que diz respeito a docentes e investigadores/as, o processo de contratação de um novo conjunto – já o terceiro – de seis professores/as auxiliares (de carreira) e de dois/duas investigadores/as auxiliares (também de carreira, neste último caso no âmbito do programa FCT Tenure) está em tramitação, esperando-se que todos/as estejam ao serviço ao longo do novo ano letivo de 2025/26. Por outro lado, decorrem igualmente os concursos para um novo conjunto – o segundo – de quatro vagas de professor/a catedrático/a e está a terminar a última fase dos concursos internos de promoção a categoria de professor/a associado/a (foram 28 as vagas lançadas nos últimos três anos para esta última categoria). Prosseguirá assim o rejuvenescimento e a qualificação do nosso corpo docente e de investigação.

Espera-se também que nos próximos meses sejam efetivamente incorporados/as mais seis técnicos/as superiores e um técnico de informática nos diferentes serviços da Faculdade.

Por fim, deve destacar-se que em 2024/25 a FLUC continuou a consolidar o crescimento do número de estudantes, quer em cursos conferentes de grau, quer em cursos não conferentes de grau, num ano em que a entrada de novos/as estudantes de 1.º ciclo voltou a conhecer números muito bons.

Ao NEFLUC (Núcleo de Estudantes) é devida a habitual palavra de agradecimento por todo o trabalho desenvolvido e que em muito contribuiu para o engrandecimento da nossa Faculdade.

3. Relativamente ao novo ano letivo de 2025/26, antecipo apenas, entre muitas outras que estão já a ser preparadas, três iniciativas: por um lado, a semana de acolhimento e integração dos/as novos/as estudantes de licenciatura, prevista para os dias 8 a 12 de setembro, com um programa articulado entre a Reitoria e as diferentes Faculdades, que muito em breve será divulgado; por outro, a entrada em funcionamento de alguns dos novos planos de estudos de mestrados e doutoramentos e a submissão de várias outras propostas de alteração e criação precisamente no quadro da renovação da oferta formativa de 2.º e 3.º ciclos; por fim, o Dia Europeu das Línguas, em 26 de setembro, que já se tornou um dia anual de viva celebração muito especial na FLUC e na UC, num ano em que celebraremos os 20 anos do nosso Centro de Línguas.

4. E porque a FLUC é sempre movimento, convido-o/a a ler o n.º 15 desta 2.ª série do Magazine Vive as Letras!, publicação trimestral que, como sempre, pretende dar a conhecer pessoas, projetos e espaços da nossa Escola.
Apresento-lhe os votos de boas férias!

Neste TOME NOTA, antecipamos algumas atividades especiais da Faculdade de Letras. Nesta edição, são trazidas até si por Rita Margarida, estudante de Geografia.

CONVERSAS NA BIBLIOTECA

Adélia Nunes

Adélia Nunes: as muitas (e complexas) faces da imigração

Tendo por interlocutora uma investigadora que tem produzido vasta bibliografia na área da prevenção e dos riscos dos incêndios florestais, era inevitável, no momento em que passavam oito anos sobre o grande fogo de Pedrógão Grande, começar o diálogo por esse tema. Pretexto, afinal, para daí pularmos para tópicos relacionados com a geografia humana, as migrações e até para a noção (em desuso) de vida rural.

Professora Associada do Departamento de Geografia e Turismo, Adélia Nunes trouxe ainda para esta "Conversas na Biblioteca" Aquilino Ribeiro e a sua obra Quando os lobos uivam, acerca da qual a ouviremos mais para o fim falar, a propósito dos baldios e da atualidade que a leitura da obra continua a ter.

Conversas na Biblioteca com Adélia Nunes e João Figueira

Conversas na Biblioteca com Adélia Nunes e João Figueira

GENTE DAS LETRAS

Joana Val-do-Rio

Hoje trabalha no Gabinete de Apoio ao Diretor, mas o percurso da Joana aqui dentro da Universidade de Coimbra é bem mais antigo e diversificado.

A maior parte das pessoas conhece-a pelo seu trabalho no bar da Faculdade, mas, antes, Joana já tinha passado pela Secretaria de Assuntos Académicos e, ainda antes disso, esteve na Sala Jorge Faria, ligada aos estudos artísticos e ao teatro. “Foi por aí que começou a minha ligação à Universidade”, recorda.
Depois, Joana passou pelo Colégio das Artes, onde esteve como bolseira durante alguns anos. No início, ainda ponderou seguir Línguas Modernas, mas acabou por se inscrever em Estudos Artísticos, a área que realmente queria. “Tive um ano a melhorar notas e depois fiz a licenciatura, que ainda era pré-Bolonha, com dois anos de tronco comum e dois de especialização”, explica. Rapidamente seguiu para o mestrado, conciliando os estudos com o trabalho na secretaria.

O seu percurso profissional foi-se consolidando no apoio à gestão no Gabinete de Apoio ao Diretor, onde lida diariamente com a comunidade académica. “O meu dia é passado a apoiar um gabinete aberto ao público, atendendo professores, funcionários e estudantes”, resume.

Sempre preocupada em melhorar, fez recentemente um curso de inglês no Centro de Línguas. “Sabia que precisava de acompanhamento e dedicação, e era importante para o trabalho”, admite, reconhecendo a importância do inglês no contexto atual.

Joana confessa que sempre teve vontade de trabalhar na Universidade, embora tenha sentido algumas dificuldades com a burocracia no início. “Havia aquela vontade de ser parte da solução, ou pelo menos ajudar a tornar as coisas mais simples”, diz. Foi a partir da segunda metade da licenciatura que sentiu mesmo vontade de integrar a estrutura da universidade. “É como um foco de luz, não conseguimos desviar o olhar”, descreve.

No Colégio das Artes, onde a escala era mais pequena, Joana recorda com carinho o contacto próximo com os estudantes, especialmente aqueles que vinham de fora e precisavam de ajuda para se instalar. “Isso é uma riqueza muito grande, fazer parte desse ecossistema”, afirma. Agora, numa escala muito maior, sente o desafio de lidar com uma comunidade muito mais vasta.

Fora do trabalho, revela outros lados da sua vida: “Gosto muito de plantas, da natureza, tenho muitos sobrinhos e uma gata. Também adoro bricolagem e transformar móveis.” Vive sozinha no centro de Coimbra, perto do Penedo da Saudade, e mantém uma rotina de reflexão e planeamento semanal.

A família é grande: é a sexta de oito irmãos, tem onze sobrinhos e a mãe nasceu em Moçambique, enquanto o pai é de Figueiró dos Vinhos – conheceram-se ambos nos escuteiros. “Às vezes é difícil sair à rua sem encontrar alguém da família”, brinca.

Joana também tem um gosto especial pela costura. “Costuro muito mal, mas tenho três máquinas de costura!”, ri-se. Começou por fazer pequenas coisas para si e para os sobrinhos, e também já fez figurinos e apoio a figurinos no teatro, área que sempre a atraiu mais pela produção do que pela representação. Fez parte do grupo Teatro do Morcego, onde colaborava na produção e, ocasionalmente, nos figurinos.

No futuro, Joana sonha com um pequeno terreno, um “quintinho” onde possa ter algum sossego e fugir ao sufoco da renda mensal. “Durante a pandemia senti muito a falta de poder sair de casa e apanhar sol”, confessa. O projeto, idealmente em formato de cooperativa, seria partilhado com outras pessoas com o mesmo objetivo, mas Joana admite que falta encontrar alguém com o perfil de gestor para o concretizar. “A idealização já está pronta, agora falta a execução”, diz, com um sorriso.

Entre o trabalho na FLUC, a costura, o teatro e o sonho de um quintal, Joana é um exemplo de dedicação, criatividade e vontade de fazer parte ativa da comunidade, sempre com um olhar atento para o que pode melhorar à sua volta.

Joana costuma usar roupas que ela própria concebeu.

Na última produção teatral do Thíasos, Joana ajudou na produção do figurino.

VIDAS DE ESTUDANTE

Jornadas de Iniciação Científica

É uma iniciativa que começou em tempos de pandemia e, por isso, teve a sua primeira edição em formato online, em junho de 2021. Desde então, as Jornadas de Iniciação Científica da Faculdade de Letras têm crescido em participação, contando com o envolvimento de dezenas de estudantes e professores.

A iniciativa foi criada com o objetivo de promover e estimular competências de investigação científica nos estudantes que estão nos cursos de Licenciatura, preparando-os para a transição para estudos de pós-graduação, nomeadamente de M,estrado. As Jornadas são um momento relevante para a dinâmica pedagógica e científica da Faculdade e, na edição deste ano, a quinta, a programação contou com a participação de cerca de uma centena de estudantes e vinte docentes orientadores, e um total de 97 apresentações de trabalhos de investigação, desenvolvidos por alunos e alunas do 1.º ciclo da FLUC, criando um autêntico espaço de partilha e crescimento académicos.

"A ideia inicial surgiu com a professora Ana Paula Loureiro, na altura Subdiretora dos Assuntos Académicos, e abrangia estudantes dos 1.º e 2.º ciclos", explica Ana Isabel Ribeiro, atual Subdiretora da Faculdade, que assumiu a coordenação das Jornadas em 2022, em colaboração com os diretores de curso: "Atores fundamentais neste processo e que fazem a ponte com os estudantes e sensibilizam os docentes", acrescenta. Ana Isabel Ribeiro diz que, este ano, "a adesão foi tão grande que houve necessidade de desdobrar as sessões, manhã e tarde. Estamos a trabalhar para alargarmos mais o número de sessões e ainda publicar, em formato ebook e de forma integral, todos os trabalhos apresentados", refere.

Estivemos a acompanhar algumas destas sessões e ouvimos quatro estudantes para conhecer melhor o seu envolvimento nas Jornadas. 

Bruno Carreira

Sob a orientação do professor António Rochette Cordeiro, o aluno de Geografia Bruno Filipe da Silva Carreira e o seu grupo fizeram uma apresentação sobre a “Dinâmica Microclimática e Variações Espácio-temporais da Temperatura na Margem Esquerda do Rio Mondego”. Bruno refere que a sua participação constituiu uma etapa particularmente enriquecedora no seu percurso académico: "Considero que dar espaço aos jovens investigadores é essencial para o surgimento de novas ideias e abordagens mais atuais, muitas vezes associadas a tecnologias emergentes, que poderão complementar e enriquecer os métodos mais tradicionais da investigação."

Dinis Gonçalves

A professora Dina Sebastião orientou o aluno Dinis Afonso dos Santos Gonçalves, de Estudos Europeus, no trabalho sobre “O posicionamento divergente do Partido Comunista Português em relação ao grupo europarlamentar The Left sobre a guerra na Ucrânia”. Acerca da sua participação, Dinis explica que escolheu este tema porque "a segunda invasão russa à Ucrânia, em fevereiro de 2022, expôs claramente a forma como os partidos da esquerda radical demonstraram, tanto na sua atuação no âmbito da política nacional dos Estados-Membros como no quadro de atuação na União Europeia, sintomáticas diferenças na manifestação de inequívoco apoio ao país invadido e na expressa condenação da ação bélica russa."

Nuno Miranda

Finalista do curso de História, Nuno Miranda abordou “A Companhia do Comércio da Ásia: criação e razões de insucesso” sob a orientação do professor José Pedro Paiva. Nuno acredita que as Jornadas Científicas representaram uma oportunidade fundamental para conhecer um importante componente da área de investigação, a comunicação: "através desta iniciativa temos a possibilidade de desenvolver a nossa capacidade de exposição e de síntese de conteúdos, enquadradas num ambiente de partilha e discussão com colegas e docentes. Juntando estes elementos, percebemos a importância de saber comunicar de forma clara, objetiva e bem fundamentada. Num contexto onde a investigação não vive apenas da escrita, mas também da capacidade de dialogar com a nossa comunidade, estas Jornadas revelaram-se um exercício formativo essencial", refere.

José Martinho Sá

José Martinho Sá é estudante de Português e apresentou um trabalho sobre a “Variação fónica na Madeira: dados sociolinguísticos e dialetais”, sob a orientação da professora Cristina Martins. Estudando a variação fónica nas regiões de Câmara de Lobos, Santa Cruz e Funchal, Martinho analisou perfis sociolinguísticos específicos. Para o estudante, as Jornadas ajudam os estudantes a terem noção do que é realizar um trabalho científico rigoroso: "São um belo ponto de partida para todos aqueles que pretendem ingressar futuramente na vida académica, é uma boa oportunidade de evoluir em todos os sentidos, profissionais e pessoais, visto que ampliamos as nossas visões e trabalhamos em grupo, o que, inexoravelmente, acabará por acontecer. Gostaria de destacar o trabalho incessante dos professores que nos acompanham neste projeto e que se mostraram sempre disponíveis para nos tranquilizar e aconselhar, eles fazem de tudo para que possamos abordar o nosso trabalho da maneira mais descontraída possível e foi esse o fator que mais me surpreendeu.

HOJE INVESTIGO EU

Osvaldo Manuel Silvestre

Nos últimos anos, o meu trabalho de investigação tem sido marcado pelo paradigma das Materialidades da Literatura e da Intermedialidade, quer no domínio da Teoria da Literatura, quer no do cinema1. Neste momento, há dois objetos de investigação e estudos avançados que concentram a minha atenção e é neles que me vou demorar.

O primeiro, aquele a que chamarei VOX MEDIA, trata do fenómeno da “Voz na Literatura”. O segundo decorre da obra do cineasta franco-suíço Jean-Luc Godard.

Passo agora a produzir a descrição de cada um deles. O primeiro objeto será designado por VOX MEDIA: A Voz na Literatura. O projeto tem vindo a ser testado no contexto do Programa Doutoral em Materialidades da Literatura, no qual produziu já alguns eventos, reunindo um corpo de pesquisadores em processo de alargamento, em particular para um contexto ibero-americano. A sua descrição programática é neste momento a seguinte:

VOX MEDIA: A Voz na Literatura

A naturalidade com que a ideia de literatura se traduz na ideia de texto e, esta em «letras impressas em papel», é provavelmente responsável pela versão unilateral que o senso comum, bem como a doxa crítica, a todo o instante transmitem da relação do leitor com ela: a literatura é algo que se lê em silêncio. Ou melhor, a literatura é um texto que devém livro por meio de um processo de inscrição que, também ele, se torna invisível, uma vez que a materialidade do texto se anula em função daquilo que nele se transmite: ideias, significados, sentidos, enfim, conteúdos.

E, contudo, não há literatura sem um processo de inscrição material que faz de cada signo verbal uma coisa no mundo fenomenal, para ser vista antes de ser lida, e para ser lida em silêncio – ou não. Ou então, para ser dita, o que é uma outra forma de inscrição material, precedendo e dispensando a escrita ou seguindo-se a ela. Existem, como é sabido, histórias da literatura (ocidentais e não-ocidentais) nas quais a Voz precede a escrita, e existem argumentos filológicos em seu apoio – embora se possa suspeitar de que tais argumentos relevam de alguma pulsão revisionista. Não se trata, porém, de buscar um privilégio da Origem para o estudo da dimensão sonora, e especificamente vocal, do fenómeno literário, mas sim de admitir a relevância de tal estudo para uma versão mais completa, simultaneamente moderna e arcaica, de literatura.

No cruzamento das vanguardas históricas com as mudanças nas tecnologias de comunicação, a literatura abriu-se às materialidades do som, da voz e da performance, num processo que a mediação e reprodução técnica não deixaram de acelerar e dramatizar, até à revolução digital (e à especificidade histórica e tecnológica da situação pós-digital). Este processo sofreu ainda a sobreposição do fenómeno da massificação, operando em grande medida num cenário de «reoralização», embora já nos termos históricos de uma «oralidade secundária». Dos ambientes mais vanguardistas aos mais massificados, da Poesia Sonora à Spoken Word ou à Slam Poetry, sem esquecer esse vasto território intermédio ocupado pelas leituras (ou récitas) de poesia, bem como à realização oral do texto dramático, ou aos audiolivros, a consciência de que o planeta da literatura abarca também essas dimensões é hoje crescente.

O projeto VOX MEDIA explora as dimensões do fenómeno literário afetadas pela voz enquanto medium da literatura, bem como pelas perturbações que esse meio sofre por efeito combinado da performance e das tecnologias de mediação, representação e reprodução. A intenção deste projeto é, pois, não apenas a de produzir o catálogo e compêndio dos efeitos contemporâneos da VOX MEDIA sobre a noção de literatura, mas também a de produzir uma arqueologia da VOX MEDIA e de todos os fenómenos recalcados pela sua invisibilidade histórica.

Obviamente, trata-se de acrescentar, mais do que recuperar, a voz para uma definição alargada, e moderna, de literatura, mas sem cair no fonocentrismo da tradição metafísica ocidental, desde Platão e Aristóteles, que veem na voz e na palavra a expressão do sujeito na sua verdade, palavra e verdade da qual a escrita é concebida como uma mera técnica de reprodução (um suplemento), até Rousseau, que sustentava que a escrita é um processo que suspende o poder do povo: numa sociedade realmente democrática, qualquer cidadão deve poder escutar e compreender a voz do orador, e a disposição do cidadão em possuir uma palavra própria é garantia de liberdade. Trata-se de um daqueles momentos, no Ensaio sobre a origem das línguas, em que voz, liberdade e presença garantem o sustentáculo metafísico da versão rousseauniana da democracia direta, uma versão mais (neste caso, política) daquilo a que Derrida chamou metafísica da presença, desde logo porque é recusa da mediação, quer dizer, da representação.

É, pois, este o quadro teórico em que decorre a pesquisa no tópico sobre a VOX MEDIA, isto é, sobre a voz na literatura na era da mediação tecnológica e sobre o específico caráter protésico que a presença ganha neste contexto de hipermediação, remediação e transmediação. Sobre esta questão produzi já alguns ensaios e encontro-me neste momento a explorar uma série de objetos destinados à produção de um livro a intitular VOX MEDIA. A Voz na Literatura. Seminário 1, cujo pano de fundo é o da antes referida reoralização da cultura contemporânea. Passo a elencar alguns desses objetos, aos quais atribuo valor paradigmático para esta área de pesquisa:

1) A voz do Poeta ingénuo na era da técnica: sobre o texto “Dois dedos de conversa” do poeta português Sebastião da Gama (1924-1952), no qual se coloca a hipótese de os poetas renunciarem ao livro em favor do disco, que daria a ouvir a sua voz pura (uma discussão delimitada pelo ensaio de Friedrich Schiller “Sobre poesia ingénua e sentimental” e os ensaios do pianista Glenn Gould sobre o fim do concerto e o triunfo do disco).

2) A Poesia e o Microfone: a partir do ensaio de George Orwell, de 1943, com esse título, uma discussão sobre a difusão de poesia na rádio, tendo como pano de fundo o uso que os modernistas (entre eles Mário de Andrade) preconizaram para a rádio.

3) Ezra Pound Speaking: uma tentativa de articular os discursos de Pound na rádio fascista italiana e as suas (muitas) gravações de poesia, explorando a hipótese de uma transferência dos modos de dizer poesia para os modos de discursar na rádio de Mussolini.

4) A voz da xamã mazateca María Sabina: o que sucede à voz da xamã quando, como no caso da mazateca María Sabina, uma prática milenar, ocultada desde a Conquista, é gravada e reproduzida (em áudio e em película) por um etno-micologista norte-americano e por um cineasta mexicano?

5) Voz, eloquência e remediação em Ricardo Aleixo: das práticas de inscrição situadas entre a herança concreta e a gestualidade escritural de uma certa arte contemporânea, à leitura pública (com ou sem Poemanto), a voz de Aleixo performa modalidades de eloquência que recorre a uma gama alargada de meios em permanente e mútua remediação, e é essa retórica intermedial que estará em análise.

6) A voz na arte sonora contemporânea: o caso de Luísa Cunha: a prática sonora desta artista portuguesa vive da “redução fenomenológica” da linguagem, por meio de expressões idiomáticas ou do quotidiano despidas de qualquer inserção contextual, inserção de que resta o eco e o vazio sobre o qual paira a voz, e é justamente esse vazio ressoante que neste caso importa pensar.

O segundo objeto de trabalho incluído no programa é a obra do cineasta Jean-Luc Godard, que tenho vindo a explorar também no contexto do Programa Doutoral em Materialidades da Literatura, em aulas e palestras em várias universidades portuguesas e estrangeiras. O propósito deste trabalho é a edição de um volume subordinado ao título Seminário GODARD, em princípio em mais de um volume.

O foco epistemológico do projeto é a noção de Intermedialidade, hoje em dia uma noção operatória em vários contextos e formatos multidisciplinares nas Letras e nas Artes, e que venho explorando em aulas, palestras e publicações desde há uns anos. Neste caso, a intermedialidade proposta visa sobretudo a questão da “imagem técnica” (Vilém Flusser) na sua articulação com outros meios. Também nisto a evolução da obra de Godard é fundamental, do cinema para o vídeo e para o digital, do cinema de rodagem para o da não-rodagem, do cinema de ação para o da reflexão e da reflexividade.

Em rigor, a configuração atual do meu interesse por Jean-Luc Godard é resolutamente académica e deriva da minha lecionação, na última década no Programa de Doutoramento em Materialidades da Literatura na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Na repartição disciplinar que me coube no curso, a articulação intermedial da literatura, ou melhor, da escrita, com o cinema, sob a égide primordial das questões da reflexividade e da inscrição – e não exatamente da “adaptação” –, reconduziu-me a Godard e a uma revisitação da sua obra, que exigiu a partir de certa altura um alargamento da própria noção de Obra em Godard, não a confinando aos filmes, mas alargando-a à escrita e aos livros (podíamos dizer que essa é uma exigência fatal em quem se interessa por autores como Pasolini ou Godard: passar dos filmes aos livros e vice-versa): àqueles livros que Godard escreveu, muitas vezes reunindo textos dispersos (os da fase dos Cahiers du Cinéma, por exemplo), mas também textos originais e que funcionam como pivôs de uma reorientação do seu trabalho – é o caso, sobretudo, de Introdução a uma verdadeira história do cinema, de 1980, obra sem a qual não é possível entender História(s) do cinema, o mega-filme produzido entre 1988 e 1998 –, mas ainda, e decisivamente, os livros que Godard foi sempre tirando dos seus filmes, dos da década de 60 até às Histoire(s) du cinéma, cujo modelo, por tomos, será replicado em livro, até à sua reunião num único mega-tomo, aos da última fase, de JLG por JLG a Film Socialisme, etc.

Nesta configuração, a de um autor que produz filmes, mas que escreve, que inscreve a escrita e os livros nos filmes, que remedeia os filmes em livros, como de certo modo os livros em filmes, Godard ganha a configuração, não tanto de um significante mestre (tudo aquilo que o nome Godard sinaliza no cinema e na arte contemporânea), mas de um dispositivo ou de uma máquina de pensamento, expressão que gostava de usar num sentido preciso: a de alguém que usa as imagens, as palavras, os sons, para, por meio de uma articulação, desarticulação e rearticulação poderosas, pensar o cinema, a escrita, a literatura, a arte, enfim, o contemporâneo.

Trata-se, pois, de usar Godard enquanto porta de entrada e de saída, mas que, sendo sobre cinema, será também sobre, por exemplo, 1) a possibilidade de contar, ou não, a história do cinema (bem como a diferença entre contar essa história e a das outras artes, ou mesmo, a impossibilidade de simplesmente contar uma história); 2) a relação entre o cinema e a literatura e, antes disso, a relação entre a película e a inscrição textual; 3) a discussão sobre o cinema como arte das imagens animadas ou o cinema como arte das imagens e dos sons, colocando no centro desses sons a linguagem verbal; 4) a omnipresença do livro, e o livro como destino final, ou fatal, da existência, no exato momento da implosão da civilização do livro; 5) a forma-filme e o seu diálogo com a forma-livro; 6) a impureza do medium que é o filme (um tópico de André Bazin) face à narrativa moderna da segregação dos meios, tal como para a arte moderna Clement Greenberg a teorizou; 7) o peso da tradição e o papel estratégico da citação, do plágio e do enciclopedismo; 8) enfim, o autor, a sua difícil constituição, as suas políticas.

Para concluir, vou buscar um exemplo ao filme Deux ou trois choses que je sais d’elle, de 1967. O mantra de Godard, enunciado logo no primeiro texto do paratexto preambular – «On peut tout mettre dans un film. On doit tout mettre dans un film» –, é um mantra que em rigor define a literatura moderna, ou melhor, a sua relação com o Livro e a forma como essa exigência moderna acaba por colocar em causa a própria possibilidade de Livro.

Esta questão pode articular-se ainda com o lado enciclopédico do saber de Godard e de Borges, que neste se relaciona profundamente com a figura da biblioteca. Sobre isto, é fundamental uma passagem de Alan Pauls, no seu livro El factor Borges (uso a edição do Fondo de Cultura Económica, de 2000), na qual, se começa por afirmar que “En Borges, sin embargo, la enciclopedia es menos un libro que un concepto de funcionamento, un complejo de instrucciones, critérios y formas de organización que define ciertas maneras de escribir y de ler un libro” (p. 89). Para depois lembrar que quando se qualifica Borges como um autor enciclopédico se tenciona descrevê-lo como um autor erudito e exibicionista, quando na verdade do que se trata é da reivindicação do estatuto de um “homem semi-instruído”, aquele que se define pela “cultura de los que no tienen cultura, cultura de divulgación, cultura resumida, traducida, cultura de segunda mano” (id., p. 91). É difícil não pensar que uma tal descrição funciona muito bem para Godard, cuja cultura citacional e enciclopédica é em rigor a de “um homem semi-instruído” e, por isso, dotado dessa potência de instabilização da relação com o saber e a cultura. Desde logo, com a própria noção de autor e de obra, que pode sofrer a questionação radical de uma obra toda ela feita de citações. Como por exemplo, o filme de 1985, Détective. Interrogado, numa entrevista aos Cahiers du cinéma quando da saída do filme, com o comentário-pergunta “Você cita Breton neste filme”, Godard responde: “Neste filme há apenas citações, não há uma só palavra minha. Nos casos de urgência a gente vai buscar ao stock”.

Creio ter assim percorrido, ainda que sinoticamente, as razões que me levam a eleger Godard como um dispositivo ou máquina de pensamento especialmente apta para pensarmos transversalmente o contemporâneo, mas também como um corpus que, provindo de um meio exterior à literatura (mas não totalmente exterior a ela), a convoca a todo o momento e em todas as suas formas e modalidades, ajudando-nos decisivamente a pensar as possibilidades intermediais da escrita literária hoje.

1 Faço notar que leciono há vários anos na graduação de Estudos Artísticos, em especial, e desde o lançamento da Reforma da Oferta Formativa, a unidade curricular de Análise e Crítica de Filmes.

Osvaldo Manuel Silvestre é Professor do Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas.

MUNDIVISÕES

100 Anos
do Instituto de Estudos Alemães: Tradição, Inovação e Desafios

O Instituto de Estudos Alemães da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra celebra, em 2025, o seu centenário, num contexto desafiante para os saberes humanísticos e, em particular, para a Germanística em Portugal e na Europa. Fundado a 5 de agosto de 1925, como Instituto Alemão, foi o primeiro do género na Faculdade de Letras, fruto da influência da romanista Carolina Michaëlis de Vasconcelos e do empenho do seu discípulo, João da Providência Costa, o primeiro diretor. Em 1951, a designação passou a Instituto de Estudos Alemães, refletindo a ampliação do campo de investigação para outros países de língua alemã.

Ao longo de cem anos, o Instituto afirmou-se como mediador pedagógico e cultural, promovendo o ensino da língua alemã, a investigação avançada e a tradução para português de textos fundamentais da literatura e cultura germânicas, tradição iniciada por Paulo Quintela. O legado do Instituto mantém-se vivo através da intervenção em pós-graduações, doutoramentos e de um diálogo internacional refletido em inúmeras publicações.

A colaboração com instituições como o DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Académico), que também celebra cem anos em 2025, tem sido essencial para garantir ensino inovador, viagens de estudo, bolsas e atividades culturais, enriquecendo a experiência dos estudantes e docentes. Como destaca a professora Cláudia Ascher, muitos docentes iniciaram o seu percurso no Instituto através destes programas, assegurando a continuidade e o entusiasmo pelo ensino do alemão.

Para a professora Fátima Gil, “a Germanística de Coimbra tem um passado, tem um presente e tem um futuro”. Apesar dos desafios, a comunidade académica acredita na capacidade de inovação e na importância estratégica do Instituto para a Faculdade e para a Universidade. O centenário é, assim, um momento de celebração, reflexão e renovação do compromisso com a cultura e o ensino de língua alemã em Portugal.

No verão de 2007, a professora Cláudia Ascher deixou Berlim rumo a Coimbra, numa viagem que, segundo as suas próprias palavras, poderia ter saído das páginas de “A Montanha Mágica” de Thomas Mann. Veio a convite do DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Académico) para lecionar alemão no Instituto de Estudos Alemães (IEA) da Universidade de Coimbra, numa missão que deveria durar três anos, mas que se prolongou até hoje. “Ao contrário do romance, a minha viagem tem um final feliz: a Universidade de Coimbra, e em especial o IEA, continua a ser um sítio mágico”, partilha.

O DAAD, que também celebra cem anos em 2025, tem sido fundamental na história do IEA, tal como o OeAD, seu equivalente austríaco. Leitores e leitoras enviados por estes programas enriquecem o ensino, trazendo métodos inovadores, promovendo viagens de estudo à Alemanha e à Áustria, organizando eventos culturais e facilitando bolsas para cursos de língua. Para muitos docentes, como Cláudia Ascher, este foi o ponto de partida para uma carreira dedicada ao ensino do alemão em Coimbra, garantindo a continuidade e a qualidade que fazem do Instituto uma referência.

Para o professor António Sousa Ribeiro, o centenário do IEA acontece num momento de desafios para as Humanidades e para a Germanística, não só em Portugal, mas a nível global. Ainda assim, acredita que a história do Instituto é feita de superação e inovação, com um legado que se revela tanto na excelência do ensino como na investigação avançada e no diálogo internacional. O IEA destaca-se ainda pela tradição de traduzir para português grandes obras da literatura e cultura alemãs, uma herança iniciada por Paulo Quintela e que se mantém viva até hoje.

Entre viagens que se prolongam e desafios que inspiram novas soluções, o Instituto de Estudos Alemães celebra cem anos como espaço de encontro, aprendizagem e partilha, mantendo acesa a chama da cultura germânica em Portugal.

MARCAS DAS LETRAS

Patrícia Morais

Patrícia Morais (fotografia de arquivo pessoal).

Patrícia Morais (fotografia de arquivo pessoal).

As Marcas das Letras impressas na história de Patrícia Morais

Patrícia Morais, nascida na Covilhã em 1997, sempre foi apaixonada pelas artes performativas, participando em grupos de teatro amador desde cedo. Iniciou a licenciatura em Estudos Artísticos em Lisboa, mas foi em Coimbra, na FLUC, que concluiu a formação, acrescentando um menor em Jornalismo e Comunicação.

A experiência positiva na FLUC levou-a ao Mestrado em Estudos Artísticos e, já inserida no mercado de trabalho, prepara-se agora para iniciar o Doutoramento em Estudos Teatrais. Patrícia destaca o ambiente acolhedor e inovador da Faculdade, que considera fundamental para o seu crescimento académico e pessoal.

Profissionalmente, após um estágio no Teatro Municipal da Covilhã, integrou a equipa do Teatro das Beiras, onde atua nas áreas de comunicação, relações públicas e produção. O contacto com diferentes disciplinas artísticas e a formação em comunicação foram essenciais para o seu percurso.

Entre as memórias marcantes, recorda a disciplina de Dramaturgia e Escrita para Teatro, onde, com colegas, criou e apresentou uma peça em homenagem à mãe. A história de Patrícia é exemplo do impacto transformador da FLUC, onde as letras se tornam vida e palco.

PHOTOMATON

- Residência Artística de Adriana Calcanhotto "Corre o Munda"
- Homenagem a Fernando Rebelo 
- Homenagem a Stephen Daniel Wilson
- Inauguração da Biblioteca Jorge de Alarcão
- Tomada de posse de Diretores dos Departamentos
- FLUC no Salão do Estudante
- Semana Aberta da UC
- "Dia Aberto" FLUC
- Sessão de encerramento do ano letivo na Faculdade de Letras
- 100 anos do Curso de Férias de Língua e Cultura Portuguesas para Estrangeiros
- Lançamento do terceiro volume da 'Coleção Humanities' da autoria de Álcir Pécora, Estudos sobre o Padre António Vieira. Mistérios dos acasos, doutrina da ocasião

- Reunião de apoio a estudantes com deficiência em contexto académico
- Dia da Europa 
- Jornadas de Iniciação Científica  
- Curso breve de Língua e Cultura Coreanas
- Dias do Japão
- Escola Internacional de Verão sobre Multilinguismo Europeu
- Colóquio internacional de encerramento do Projeto "Cartografar Voltaire em Portugal e na Literatura Portuguesa (secs. XVIII-XXI)"
- Colóquio "Dinâmicas Hipercontemporâneas"
- Fórum-Estudante do Património, História e Culturas da Alimentação 
- Jornadas científicas "A Tradução na Prática - a Prática da Tradução"
- DSOTT'2025 - Diversity & Sustainability: Opportunities and Threats on Tourism
- Curso Internacional de Paleografia para Estudos do Renascimento e Idade Moderna (séc. XV-XVIII) 
- Blended Intensive Programme (BIP) 2025 "Português e Línguas Eslavas: (dis)similitudes"
- Jornadas de Estudos Artísticos 
- International Seminar of Young Researchers on Geography 
- Primeira edição das jornadas científicas "Horizontes do Pensamento"
- 9.ª edição dos LVDI CONIMBRIGENSES
- Apresentação da obra Livro que fala da Boa Vida que fez a Rainha de Portugal Dona Isabel

Vive as Letras! é uma publicação trimestral

Próximo número: outubro de 2025

Produção:
Gabinete de Comunicação e Imagem

Faculdade de Letras da
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